Darkness in El Dorado Controversy - Archived Document


Internet Source: ANTHRO-L, September 23, 2000
Source URL (Archive.org): http://listserv.acsu.buffalo.edu/cgi-bin/wa?A2=ind0009&L=anthro-l&F=&S=&P=19896

Livro poe antropologos em pe' de guerra

Marcelo Leite escreve para a "Folha de SP":

Antes mesmo de ser lancado, um livro esta' sacudindo a tribo antropologica norte-americana. "Darkness in El Dorado" (W.W. Norton, 416 pags., US$ 27,95, lancamento em outubro), do jornalista Patrick Tierney, tem tudo para virar best seller tambem no Brasil: ianomamis, eugenia, abuso sexual e genocidio. Todo mundo fala dele, mas ninguem ainda leu.

Melhor dizendo, pouca gente leu a obra (que traz o vendavel subtitulo "Como Cientistas e Jornalistas Devastaram a Amazonia"). Um capitulo saira' na proxima revista "The New Yorker".

O alvo central das denuncias e' Napoleon Chagnon, antropologo da Universidade da California em Santa Barbara que pesquisou os ianomamis da Venezuela na decada de 60. Seu livro "O Povo Feroz" (1968) foi, durante anos, obra de referencia sobre a etnia.

Ele e' acusado de encenar conflitos entre aldeias ianomamis, para documentar sua tese de que se trata de um povo cronicamente propenso para a guerra. A encenacao teria depois degenerado em matanca real.

Segundo Tierney, Chagnon teria tambem participado de experimentos conduzidos com os indios da Venezuela por James Neel, geneticista da Universidade de Michigan. Neel, que morreu em fevereiro passado (leia texto 'a direita), utilizou uma vacina anti-sarampo sobre a qual pesa a suspeita de ter desencadeado uma epidemia que matou dezenas, talvez centenas de ianomamis.

Nos EUA como no Brasil, circulam varios e-mails sobre o caso. Um deles foi escrito por dois antropologos citados no livro, Terence Turner, da Universidade Cornell, e Leslie Sponsel, da Universidade do Havai, dos poucos que de fato leram "Darkness in El Dorado".

A correspondencia, originalmente destinada 'a presidencia da Associacao Antropologica Americana (AAA), alertava para o conteudo explosivo do livro.

"Escrevemos para informar sobre um escandalo iminente que vai afetar a profissao antropologica americana como um todo aos olhos do publico e despertar indignacao intensa e chamados 'a acao entre os membros da associacao", diz o e-mail. "Por sua escala, ramificacoes, pura criminalidade e corrupcao, nao tem paralelo na historia da antropologia."

A AAA publicou nota oficial que pode ser lida na Internet (<www.ameranthassn.org/press/ eldorado.htm ). "Ate' que haja uma discussao e uma revisao completa e imparcial das questoes levantadas pelo livro, seria injusto externar um julgamento sobre as acusacoes especificas contra individuos que ele contem", afirma.

O caso chegou a uma publicacao dirigida a academicos norte-americanos, "The Chronicle of Higher Education". Procurado por ela, Napoleon Chagnon disse que nao se pronunciaria. No entanto, um e-mail seu com uma especie de pedido de socorro academico tambem caiu na rede.

Chagnon afirma, na mensagem a um colega da Universidade da California: "Preciso de todos os aliados que puder reunir, nesta altura". Informa que esta' constituindo um advogado especializado em processos de calunia e difamacao e negociando com a revista "The New Yorker" a publicacao de sua versao na mesma edicao em que saira' o texto de Tierney.

Nem mesmo os inimigos de Chagnon saem ilesos de "Darkness in El Dorado". Por exemplo, o antropologo frances Jacques Lizot, que viveu 30 anos entre ianomamis venezuelanos e sobre eles escreveu "O Circulo dos Fogos" (lancado no Brasil pela editora Martins Fontes).

Segundo Tierney, Lizot nao teria apenas escrito sobre a liberdade sexual entre indios, mas tambem usufruido dela. (Folha de SP, 23/9)

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2. O geneticista Francisco Salzano defende seu colega americano acusado

Para o geneticista gaucho Francisco Salzano, que trabalhou com James Neel por quase 50 anos, o livro de Patrick Tierney e' um "caso de policia".

"Ele e' um exemplo do extremo a que uma pessoa pode chegar para alcancar a fama", disse o cientista em congresso de genetica em Aguas de Lindoia, SP.

Salzano era colega e amigo pessoal de Neel. Os dois comecaram a colaborar em 57. A parceria so' se desfez com a morte do americano, no comeco deste ano.

O geneticista gaucho homenageou Neel em sua palestra de abertura do 46ยบ Congresso Nacional de Genetica, terca-feira. "Ele foi um exemplo nao so' de cooperacao cientifica, mas tambem de dignidade humana."

Segundo ele, as afirmacoes de Tierney sobre a conduta de Neel em relacao aos ianomamis sao uma fantasia.

"O estudo foi publicado no "American Journal of Epidemiology", uma das revistas mais serias do mundo", afirmou Salzano. "Se a vacina fosse letal, a revista seria a primeira a condena-la".

Salzano disse que a vacina foi testada em populacoes do mundo inteiro e que todos os efeitos foram acompanhados minuciosamente pela equipe de Neel. "Se houve genocidio, onde estao os mortos?", pergunta.

O geneticista gaucho disse ter tomado conhecimento da polemica por meio de Napoleon Chagnon, que teria afirmado que pretende processar Tierney. (CA)