Internet Source: Mim de Sao Paulo, September 26, 2000
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Texto de Rubens Valente
SÃO PAULO. O geneticista americano James Neel - acusa- do em livro do jornalista Patrick Tierney de ter provocado a morte de índios ianomâmis na Vene- zuela, ao usar uma vacina anti- sarampo supostamente inade- quada - também aplicou apro- ximadamente 1.000 doses da mesma vacina entre os ianomâ- mis brasileiros, nas regiões de Toototobi, Surucucu e Mucajaí, em Roraima, em uma expedição de 1968. Um texto divulgado à comunidade científica em 1970, que faz parte do arquivo pessoal do antropólogo francês Bruce Albert - que há 25 anos traba- lha com os ianomâmis - mostra que os pesquisadores acompa- nharam e fizeram notas sobre os efeitos da vacina em ianomâmis brasileiros de pelo menos oito malocas.
Ao contrário do que havia infor- mado anteontem a Fundação Na- cional do Índio (Funai), Neel pesquisou por mais de dez anos no Brasil, em expedições que du- ravam até 15 dias, de 1962 até meados da década de 70, princi- palmente nas etnias ianomâmi, em Roraima, caiapó, no Pará, xa- vante, no Mato Grosso, e ticuna, no Amazonas. Os estudos se es- tenderam nos anos seguintes, com equipes brasileiras, a apro- ximadamente 40 povos indíge- nas no país.
- O tipo de vacina e os métodos usados na vacinação estão todos descritos nesse trabalho de 1970. A análise sobre o assunto deve partir dos relatos técnicos - dis- se Bruce Albert.
O sarampo foi introduzido invo- luntariamente na região pesqui- sada por Neel no Brasil, segundo o relatório de 1970, pela filha de um missionário evangélico, que o contraiu durante uma visita a Manaus (AM). Na época havia duas missões na área ianomâmi brasileira, a Missão Evangélica da Amazônia (Meva) e a Missão Novas Tribos do Brasil, ambas de origem norte-americana. O relatório mostra que também os índios wai-wai, da Guiana, rece- beram 100 doses da vacina. - Em alguns índios houve uma reação à vacina mais forte que a usual, mas não ocorreram mor- tes. O livro é uma fantasia enlou- quecida - disse o maior colabo- rador de James Neel no Brasil, o professor emérito do Departa- mento de Genética e Estudos de Biociência da Universidade Fe- deral do Rio Grande do Sul (UFRGS) Francisco Salzano, de 72 anos, um dos dois brasileiros que fazem parte do corpo de 300 pesquisadores estrangeiros da Academia Norte-Americana de Ciências.
Francisco Salzano confirma que os pesquisadores monitoraram os efeitos das vacinas entre os ia- nomâmis, mas negou que as apli- cações tenham causado "alguma catástrofe". Os efeitos da vacina- ção, segundo o geneticista, fo- ram acompanhados pela equipe com autorização dos governos venezuelano e brasileiro e segui- ram "todos os padrões éticos". O objetivo, segundo Salzano, era saber como o organismo humano de determinados grupos isolados ou semi-isolados, como os iano- mâmis, reage à vacinação contra determinadas doenças infeccio- sas.
Outro alvo do livro de Patrick Tierney - que deve ser lançado em outubro ou novembro, mas já causa grande polêmica -, o an- tropólogo Napoleon Chagnon, também trabalhou nas aldeias ia- nomâmis brasileiras na expedi- ção de Neel em 1968 a convite do geneticista. Segundo Francis- co Salzano, James Neel recorria a antropólogos dedicados às et- nias com as quais ia trabalhar. A primeira expedição de Neel ao Brasil, em 1962, foi às reservas dos xavantes em Mato Grosso, com o acompanhamento do an- tropólogo David Maybury Lewis, hoje um dos diretores mundiais da Anistia Internacio- nal. Com os caiapós, Salzano disse que a equipe trabalhou com o antropólogo Terence Turner, o mesmo que alertou para o "livro- bomba" que estava sendo prepa- rado, ao enviar um e-mail à pre- sidente da Associação Antropo- lógica Americana (AAA), Loui- se Lamphere.
As pesquisas da equipe de Neel incluíam a coleta de amostras de sangue para estudo genético. As expedições eram em parte finan- ciadas pela Comissão de Energia Atômica (AEC) do Departamen- to de Energia dos Estados Uni- dos, interessado em pesquisas genéticas comparativas. Salzano diz que o Departamento "finan- cia pesquisas do gênero em todo o mundo, como o programa do Genamo humano". Segundo Sal- zano, as pesquisas seguiram nor- mas científicas internacionais e nunca houve objeção ao tipo de vacina usada no Brasil e na Ve- nezuela, mesmo depois que os resultados foram publicados no "American Journal of Epidemio- logy" em diversas vezes nos anos 60 e 70.
Salzano traçou um perfil de Ja- mes Neel, morto em fevereiro úl- timo aos 84 anos, totalmente oposto ao apresentado por Patri- ck Tierney nas trechos do livro que já vieram a público. O pro- fessor gaúcho conta que Neel não se furtava em ajudar os ín- dios e caboclos com a saúde comprometida.
- Se houvesse um prêmio No- bel de Genética, ele deveria ser concedido a Neel, e o brasileiro Salzano não fica atrás em impor- tância. Para minha geração, são exemplos de ética a serem segui- dos - disse ontem o biólogo e antropólogo Walter Neves, do Laboratório de Estudos Evoluti- vos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), que traba- lhou na Amazônia.
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