Darkness in El Dorado Controversy - Archived Document


Internet Source: Socioambiental.org, December 21, 2000
Source URL (Archive.org): http://www.socioambiental.org/website/noticias/indios/20002112c.html

Parecer da equipe médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre as acusações do livro "Darkness in El Dorado" (P.Tierney)

Dra. Maria Stella de Castro Lobo – Médica, Chefe do Serviço de Saúde Coletiva do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ, mestre em Epidemiologia e Saúde Pública.*

Dra. Karis Maria Pinho Rodrigues – Médica do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ, mestre em Doenças Infecciosas.**

Dra. Diana Maul de Carvalho – Docente da Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Preventiva, da UFRJ.

Dr. Fernando Sergio Viana Martins - Docente da Faculdade de Medicina, Departamento de Medicina Preventiva, da UFRJ.

O presente parecer, escrito a pedido do antropólogo Dr. Bruce Albert[1], e com sua assessoria, procura responder a várias interrogações levantadas pelas acusações contidas no capítulo 5 (“Outbreak”) do livro de P. Tierney “Darkness in Eldorado” contra a atuação da equipe do geneticista J. Neel e do antropólogo N. Chagnon por ter realizado experimentações com uma vacina inapropriada sobre os Yanomami do Orinoco, tendo provocado ou agravado uma epidemia de sarampo (Venezuela, 1968). Serão portanto examinados e discutidos aqui vários elementos de informação, principalmente de ordem biomédica, para tentar contribuir e esclarecer do modo mais objetivo possível os termos da polêmica levantada pelo livro – a partir das provas do capítulo às quais tivemos acesso (de 01/10/2000)

1. O sarampo

O sarampo é uma doença viral, sempre considerada grave. Os primeiros sintomas ocorrem após 10 a 12 dias de incubação, que significa o tempo entre a exposição a gotículas de saliva de indivíduos doentes e o adoecimento.

O quadro clínico inicia-se com febre, mal estar, conjuntivite, coriza e traqueobronquite (tosse), sintomas que compõem o chamado período prodrômico, que dura de 2 a 4 dias. A temperatura pode ser elevada atingindo níveis de 40,6º C. As manchas de Koplik, o enantema típico do sarampo que aparece na mucosa jugal, surgem 1 a 2 dias antes do início do rash e duram até 2 dias após o aparecimento deste. O rash ou exantema corresponde a uma erupção morbiliforme, que aparece usualmente 14 dias após a exposição e se dissemina da cabeça (linha de implantação dos cabelos) para o tronco e extremidades durante um período de 3 dias. Durante os 3 a 4 dias subseqüentes, o rash se torna evanescente e assume uma aparência hipercrômica e descamativa.

O sarampo é uma doença altamente contagiosa, que afeta praticamente todos os indivíduos não imunizados quando expostos ao vírus. A transmissão ocorre de pessoa para pessoa através das gotículas respiratórias, mas também pode ocorrer a partir de partículas aerosolizadas. O período de maior transmissibilidade compreende os 2 a 4 dias que antecedem o aparecimento do rash e os 4 dias após o surgimento deste. Portanto, o aparecimento de casos secundários a partir do caso índice ocorre em média 14 ou 15 dias (7 a 18) após a exposição. Não é descrita transmissão da doença a partir de indivíduos assintomáticos. O vírus do sarampo é rapidamente inativado pelo calor, luz, PH ácido, éter e tripsina. Tem uma sobrevida curta quando exposto ao ar, ou em objetos e superfícies (< 2 horas) Apesar de macacos susceptíveis poderem ser infectados, não existe reservatório animal para o vírus do sarampo[2].

As complicações mais freqüentes associadas ao sarampo, são em ordem de freqüência a otite média, a pneumonia, diarréia, encefalite pós-infecciosa, panencefalite esclerosante subaguda e morte. A letalidade atribuída à doença é de 1 a 3 casos/1000[3] nos EUA. No entanto, em países em desenvolvimento, essas taxas podem chegar a níveis entre 5 e 15%. 60% dos óbitos são decorrentes de pneumonia bacteriana secundária ao sarampo [4].

2. O impacto do sarampo em imunossuprimidos e em populações não-imunes

O sarampo em imunossuprimidos[5] (portadores de doença congênita, HIV/AIDS, leucemia, linfoma, doença maligna generalizada, uso de medicação imunossupressora ou terapia com radiação) pode ser prolongado, severo e freqüentemente fatal. A infecção nesses indivíduos pode ocorrer sem a presença de rash.

O efeito do sarampo nos povos indígenas não-imunes, como os Yanomami, pode ser também extremamente letal. Entretanto, vale ressaltar que indivíduos não-imunes, em decorrência de longo período de isolamento e da falta de vacinação prévia, não devem ser considerados como imunossuprimidos. A gravidade dos casos e a alta mortalidade encontrada entre as populações indígenas isoladas devem-se basicamente à grande concentração de indivíduos suscetíveis, conferindo um caráter explosivo de epidemia quando da chegada do vírus.[6]

Na década de 1960 era alvo de polêmica o motivo para as altas taxas de letalidade encontradas durante surtos ou epidemias de doenças infecciosas como o sarampo entre povos indígenas. Segundo J. Neel, os aspectos socioculturais (falta de armazenamento alimentar e de assistência à saúde), preponderavam sobre os estritamente biológicos como os responsáveis pelas alarmantes taxas de letalidade encontradas.

Embora uma maior homogeneidade genética predisponha a uma menor capacidade de resposta, a resposta imunológica ao sarampo (dosagem de anticorpos pós-doença ou pós-vacinação) dos grupos recém-contactados não difere da encontrada entre sociedades industrializadas.[7] As teses de J. Neel sobre esta questão foram expostas num trabalho científico de 1970 a partir de pesquisa realizada durante a epidemia de sarampo de 1968 entre os Yanomami do Orinoco. Na década, vários outros estudos também demonstraram que o cuidado de saúde no momento da epidemia é condição essencial para a redução dessa mortalidade[8].

3. A imunização para o sarampo

Existem duas formas de se conferir imunidade para o sarampo. Uma, dita passiv, é obtida pela injeção de imunoglobulina. A desvantagem é que essa primeira confere imunidade por apenas 3 a 4 semanas. Está indicada em situações especiais como forma de evitar a doença, entre elas, após a exposição de crianças menores de 1 ano, mulheres grávidas, pacientes imunocomprometidos e outros indivíduos expostos que tenham alguma contra-indicação para o uso de vacinas de vírus vivo (alergia aos componentes da vacina, p. ex.). O seu uso deve ser feito até 6 dias após a exposição.

A outra forma de imunização (ativa) é através do uso de vacina, que corresponde à inoculação de vírus vivo atenuado ou vírus morto[9] para estimular o sistema imune a produzir anticorpos que manterão o indivíduo protegido caso venha a ser exposto ao vírus selvagem (causador da doença propriamente dita).

3.1 A Vacina Edmonston B

O vírus do sarampo foi isolado pela primeira vez em 1954 por Enders e Peebles; a cepa foi chamada Edmonston em função do nome do jovem de onde foi feito o isolamento. A partir desse vírus, após sucessivas multiplicações em diferentes tipos celulares visando a sua atenuação, foi produzida a vacina Edmonston B, licenciada para uso nos EUA em 1963.

Com o passar do tempo, a Edmonston B foi gradualmente sendo substituída por outras vacinas mais atenuadas, produzidas a partir da mesma cepa Edmonston, e que têm como vantagem a ocorrência de reações vacinais ou efeitos colaterais menos intensos. Essas vacinas são a Schwarz, liberada em 1965 e a Moraten liberada em 1968 e utilizada atualmente nos EUA. Apenas em 1975 a vacina Edmonston B foi retirada de circulação nos EUA. Ainda nos anos de 1968 e 1969, foram aplicadas mais de 2 milhões de doses da Edmonston B nos EUA[10].

A imunidade produzida pela vacina com vírus vivo é duradoura e semelhante àquela produzida pela doença. Deve ser medida através da dosagem dos anticorpos específicos no soro. Os níveis de anticorpos são tipicamente mais baixos após a vacinação em relação à doença. Os níveis de anticorpos também diminuem com o tempo e podem se tornar indetectáveis. No entanto, isso não significa falta de proteção das vacinas.

3.2 Seus efeitos colaterais

Apesar do seu uso estar associado a uma freqüência alta de ocorrência de febre (39.4ºC) (20-40%) e rash (50%) após 5 a 12 dias da vacinação, não há relatos de graves complicações. No geral, os indivíduos permanecem bem, como um quadro mais ameno do que o sarampo doença, e não há registro de óbitos decorrentes dessa reação em indivíduos imunocompetentes.

O uso de imunoglobulina - IG ou MIG (measles immune globulin, com maior título de anticorpos e não mais produzida nos EUA) associado a Edmonston B reduz a ocorrência desses sintomas em cerca de 50%. Já as vacinas Schwarz e a Moraten não precisam de uso associado de imunoglobulina.

Deve-se ressaltar que, embora o vírus vacinal já tenha sido isolado em conjuntiva e tecido respiratório de um único indivíduo com leucemia que morreu em decorrência de pneumonia um ano após a vacinação, a transmissão pessoa-pessoa do vírus vacinal nunca foi documentada (ver REDD, S. C. et al. citado acima nota 4).

No caso de populações não-imunes, em geral, e indígenas, em particular, vários estudos mostraram a maior incidência e intensidade de reações pós-vacinais encontrada entre os vacinados, caracterizadas por febre, prostração e rash, simulando um quadro de sarampo leve a moderado. Alguns desses estudos, apesar das dificuldades de comparação com grupos de controle similares, preconizaram o uso de vacinas com vírus mais atenuados quando houvesse dificuldade de acesso das equipes de saúde para acompanhamento dos efeitos adversos.[11]

3.3 Condições de aplicação de vacinas contra sarampo (com vírus atenuado)

É habitualmente recomendado que as vacinas de sarampo não sejam aplicadas em indivíduos em presença de febre, uma vez que a concomitância das doenças pode diminuir a taxa de soroconversão[12]. No entanto, não se deve adiar a vacinação em função de condições como infecções respiratórias moderadas, pois existem estudos que não mostraram diferenças na soroconversão nas mesmas. Também nos estudos que comparam a vacinação entre crianças desnutridas e crianças bem nutridas, as taxas de soroconversão são idênticas[13].

O uso destas vacinas não é também recomendado em imunossuprimidos. Especificamente em relação à infecção pelo HIV, tem havido uma mudança nessa recomendação, na medida em que o número de crianças infectadas tem aumentado e o risco de doença severa nessas crianças é muito grande. Estudos na África têm mostrado poucos efeitos colaterais, fazendo com que nos EUA seja também recomendada vacinação de crianças sem sinais de imunodeficiência avançada.[14]

A vacinação após a exposição ao vírus do sarampo pode ser eficaz, ou seja, oferecer alguma proteção contra o adoecimento se for aplicada em até 72 horas após a exposição. Isso é possível pois o tempo para a produção de anticorpos é menor no caso da vacina em função de sua aplicação parenteral. Essa é a opção de preferência quando se trata de indivíduos acima de 12 meses de idade. Não existe nenhuma contra-indicação quanto ao uso da vacina após o período de 72 horas. No entanto, se aplicada tardiamente, a vacina pode não ser eficaz para evitar adoecimento ou atenuar a sintomatologia e o indivíduo pode vir a apresentar a doença plenamente. Observe-se que isso não significa falha da vacina ou complicação desta (ver acima nota 4). Finalmente, em vigência de epidemia, a vacinação em massa como cerco para a disseminação da doença é a conduta recomendada, mesmo que haja doenças concomitantes ou desnutrição no momento da vacinação.

4. Ética e pesquisa biomédica

Na atualidade, a ética aplicada à pesquisa em saúde no Brasil baseia-se em quatro pontos fundamentais, todos esses detalhados nas “Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos”, Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde:

A) Qualificação da equipe de pesquisadores e do próprio projeto;

B) Avaliação da relação custo-benefício;

C) Consentimento informado;

D) Avaliação prévia dos aspectos éticos do projeto de pesquisa por um Comitê de Ética, composto por pesquisadores e representantes da comunidade.

Na década de 1960, na qual a equipe de J. Neel e N. Chagnon desenvolvia sua pesquisa entre os Yanomami, a Declaração de Helsinki I, adotada na 18ª Assembléia Médica Mundial, em 1964, já apontava para os princípios inerentes aos três primeiros quesitos, sendo que o consentimento informado foi recomendação de destaque desde o Tribunal Internacional de Nuremberg, em 1947, conforme transcrito abaixo:

“1 - O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente. ” [15]

5. Discussão

À luz deste quadro de disposições éticas sobre a pesquisa biomédica vigorando na década de 1960, pode-se tecer alguns comentários sobre os procedimentos do projeto de pesquisa da equipe de J. Neel e N. Chagnon em relação às acusações formuladas no capítulo 5 do livro de P. Tierney:

A) No tocante à qualificação do pesquisador e do projeto de pesquisa:

J. Neel é um acadêmico de renome internacional, tanto à época, quanto como referência para a atualidade, com competência reconhecida para planejar, executar e divulgar um projeto de pesquisa. No entanto, o protocolo de pesquisa e o objetivo principal da sua investigação entre os Yanomami da Venezuela em 1968 não ficaram claramente explicitados no artigo de Neel et al. publicado no American Journal of Epidemiology de 1970 (ver nota 7 acima) que descreve a vacinação e a epidemia de sarampo.

Nesse artigo, os autores evocam o prejuízo sofrido pelo seu protocolo de pesquisa em função da necessidade de cuidados emergenciais para os Yanomami dada a vigência simultânea da epidemia. Também fazem uma alusão ao objetivo inicial da pesquisa que teria sido a comparação da resposta vacinal para sarampo de uma população “verdadeiramente primitiva” com um grupo controle de “civilizados”. Segundo, Ryk Ward, professor da Universidade de Oxford e ex-colaborador de J. Neel, este último pretendia vacinar 2.000 Yanomami e retornar alguns anos depois para medir a capacidade de resposta à vacina por meio de novo estudo sorológico[16].

Já o livro de P. Tierney deixa entender que esta pesquisa teria tido por objetivo a realização de uma experimentação de inspiração eugênista no sentido de detectar a diferença de suscetibilidade genética e analisar a seleção natural de índios Yanomami a partir de uma epidemia introduzida por meio da vacinação (“to resolve the great genetic question of selective adaptation”). Tal intenção, que seria absolutamente antiética, nos parece, no caso, altamente improvável. Em primeiro lugar, não há qualquer prova de que o vírus vacinal seja transmissível e, portanto, capaz de gerar uma epidemia. Em segundo lugar, o próprio J. Neel, em artigo publicado em 1977, afirma que o número necessário de indivíduos para detectar um processo de seleção natural seria enorme e, em termos metodológicos, ficaria praticamente impossível evidenciar essa diferença em populações de tamanho reduzido - como é o caso dos Yanomami - mesmo que ela existisse.[17] Além disso, J. Neel tinha a hipótese de que fatores socioculturais predominavam sobre os genéticos como os responsáveis pelo excesso de mortalidade causado por doenças infecciosas recém-introduzidas entre os povos indígenas isolados (ver o artigo de Neel et al. 1970, já citado).

Em conclusão, o objetivo principal da pesquisa de J. Neel associada à vacinação Yanomami de 1968 e o protocolo dessa pesquisa somente poderiam ser avaliados de posse do projeto original apresentado à AEC (Comissão de Energia Atômica americana, que financiou a pesquisa) e, de preferência, por um comitê de ética composto de especialistas independentes (como exigido nos moldes atuais).

B) No tocante à avaliação custo-benefício da vacinação:

Há que se considerar nesse caso as vantagens do procedimento para a população em questão em contraposição às possíveis complicações - conhecidas e desconhecidas - inerentes ao mesmo procedimento. Nesse contexto, a vacinação como prevenção do sarampo nos parece uma medida benéfica na medida em que a população Yanomami se encontrava ao mesmo tempo vulnerável - dada a perspectiva da intensificação do contato interétnico - e biologicamente suscetível - dado o alto percentual de ausência de anticorpos para sarampo avaliado na coleta de sangue de 1966-67 (citado no artigo de Neel et al. 1970).

Vale citar que nessa mesma década, e nas anteriores, outros estudos foram realizados com os Yanomami sem que houvesse nenhum claro benefício para essa população,[18] entre eles, pesquisas sobre metabolismo tiroidiano, também custeadas por uma Comissão de Energia Atômica, desta vez a francesa (CEA).[19]

B.1) Sobre a escolha da vacina Edmonston B:

Algumas considerações podem ser destacadas em relação à escolha da vacina Edmonston B por J. Neel: a primeira sendo que esta vacina foi usada por ele depois de pedir informações técnicas ao CDC (Center of Disease Control, Atlanta), conforme estabelecido pelo exame de seus documentos pessoais por com S. Lindee (Departamento de História e Sociologia da Universidade da Pensilvânia).[20]

Desde a liberação da Edmonston B para sarampo, em 1963, estudos com populações isoladas já apontavam para uma maior freqüência de reações vacinais entre esses grupos (ver Brody et al. 1964), orientando para a escolha daquelas com vírus mais atenuados. Embora o uso da Edmonston B fosse ainda válido na ocasião da vacinação - 1968 - tendo inclusive sido utilizada em cerca de um milhão de crianças americanas nesse mesmo ano, a vacina Schwarz, por ser mais atenuada, já apresentava a perspectiva teórica de gerar menor percentagem de complicações para a mesma eficácia da vacina.

Por outro lado, ainda em 1968, foram realizados ensaios clínicos comparativos entre Edmonston B e Schwarz no sentido de comparar a freqüência de reações para as duas vacinas,[21] o que demonstra que, naquela ocasião, essas afirmativas ainda se constituíam em hipóteses sob experimentação. O trabalho citado acima chega a comparar os dois grupos vacinados com um terceiro grupo que recebeu placebo (água destilada), procedimento que, nos dias atuais, seria considerado como eticamente inadmissível.

Mais uma vez, não dispomos de documentos que expliquem claramente a escolha por esta ou aquela vacina por J. Neel para a vacinação dos Yanomami em 1968 na Venezuela (e em 1967 no Brasil: 1000 doses foram mandadas para missionários evangélicos locais para vacinação dos Yanomami de Toototobi, Surucucus e Mucajaí). De qualquer forma, fica a menção de que o monitoramento dos aspectos éticos da pesquisa médica com povos indígenas estava, na década de 1960, algo distante das concepções atuais, apesar das regras registradas pelo Tribunal de Nuremberg (1947) e pela Declaração de Helsinki (1964).

O livro de P. Tierney apresenta um quadro no qual a Edmonston B, utilizada na pesquisa, além de defasada, traria um risco elevado de graves complicações, inclusive letais, estando absolutamente contra-indicada naquela ocasião[22]. Conforme já colocado no item 3.2 acima, a vacina Edmonston B, embora possa produzir um maior percentual de reações vacinais – principalmente nos grupos isolados, nos quais o sarampo doença também é mais grave -, essas reações se constituem num quadro de febre e rash, sem mortalidade associada.

Vale aqui ressaltar que as informações trazidas no livro já remetem a priori o leitor leigo, apesar da falta de sustentação documental, para a má intenção do pesquisador, que estaria escolhendo essa vacina com o intuito de provocar uma simulação de epidemia de sarampo. Exemplo disso é a ênfase dada no texto à composição da vacina com vírus vivo, em contraposição àquela com vírus morto, enquanto, ao contrario, é essa última que pode trazer um risco muito maior quando da exposição posterior ao vírus da doença (por esse motivo, deixou de ser recomendada em 1967)[23].

Finalmente, vale também destacar no livro de P. Tierney a confusão de conceitos no tocante à imunidade dos Yanomami. Se na época da vacinação Yanomami de 1968 era discutido o fator preponderante para a alta letalidade do sarampo nessas populações, isso não justificaria a caracterização ou a comparação dos Yanomami com indivíduos imunossuprimidos[24] (ver acima os exemplos clínicos dos itens 2 e 3.3), a exemplo do quadro clínico relatado no capítulo 5 que assemelha o sarampo dos índios ao sarampo dos portadores de leucemia, o que pode ser considerado uma inverdade.[25] Da mesma forma, P. Tierney procura demonstrar a imunossupressão dos Yanomami por meio de medidas antropométricas (IMC, Índice de Massa Corporal, que divide o peso - em Kg - pelo quadrado da altura - em metros), caracterizando essa população como sistematicamente desnutrida. Embora o IMC seja considerado um excelente indicador do estado de saúde de uma população, deve-se tomar muito cuidado na comparação de biotipos específicos com os padrões internacionais de normalidade.[26]

B.2) Sobre uso seletivo de imunoglobulina (MIG):

Como ponto adicional de discussão, embora fosse freqüentemente recomendado o uso concomitante de imunoglobulina com a Edmonston B no sentido de amenizar as reações vacinais, muitos estudos foram realizados sem a mesma para comparar tais reações na ausência de qualquer fator interveniente[27]. No caso da vacinação conduzida por J. Neel em 1968, pouco se sabe se houve um interesse premeditado em comparar grupos vacinados com e sem imunoglobulina (MIG - measles immune globulin).

Sabe-se que a vacinação foi conduzida sem imunoglobulina (MIG) em um grupo (perto da Missão Ocamo) na Venezuela e em pelo menos uma de três regiões do Brasil (Surucucus, Toototobi e Mucajaí), para onde 1.000 doses de Edmonston B foram mandadas (ver Neel et al., 1970: 423). No caso da Venezuela, como o único grupo que não recebeu imunoglobulina (MIG) foi o primeiro a ser vacinado, pode-se até especular que o protocolo inicial de comparar a reação à vacina com ou sem MIG - também entre outras aldeias - tenha sido abortado dada a emergência da epidemia.

De qualquer forma, tem-se a evidência que, de fato, houve a comparação entre pessoas vacinadas com e sem imunoglobulina (MIG) no artigo de 1970 de Neel et al., e os editores do American Journal of Epidemiology, ao aceitarem o mesmo para publicação, parecem, na época, não ter considerado a questão como um grave problema ético.

Isso posto, torna-se então plausível a hipótese de que realmente houve por parte de J. Neel a intenção de realizar essa comparação no planejamento da vacinação. Tal procedimento, que hoje certamente avaliamos como eticamente inapropriado, no entanto, era aparentemente compatível com as práticas de pesquisa biomédica e com as regras editoriais da década de 1960 (mas não com as regras do Código de Nuremberg de 1947 e da Declaração de Helsinki de 1964).

Finalmente, resta-nos uma questão a comentar sobre o caso, questão que não foi sequer aventada pelo livro de Tierney e que diz respeito à conclusão do artigo de Neel et al. (1970). Em vigência da epidemia, e na impossibilidade de diferenciar acuradamente os casos, se de sarampo ou se de reação vacinal, seria pouco científico dizer, com base nessa experiência, que as reações são mais freqüentes entre os vacinados sem injeção de imunoglobulina (MIG)[28]. Mas as exigências metodológicas das revistas científicas na década de 1960 também se mostravam bem diferentes das existentes nos moldes atuais.

B.3) Sobre a não assistência e vacinação seletiva :

Mais de uma vez, P. Tierney afirma que J. Neel e sua equipe não teriam assistido adequadamente os Yanomami sintomáticos, impedindo o uso de antibióticos, evitando a solicitação de reforço da equipe médica e até mesmo deixando de vacinar as aldeias por onde passou. Entretanto, não foram apresentados no seu capítulo 5 documentos sólidos que comprovassem esses fatos. Por exemplo, P. Tierney apresenta como prova da não vacinação em Platanal uma referência ao próprio artigo de Neel et al. (1970) no qual não há qualquer menção ao fato. Além disso, muitas das informações se sustentam em interpretações - inevitavelmente abertas a apreciações diversas - de fragmentos de entrevistas e, sobretudo, de falas de filmagens.

Do que é realmente possível avaliar no caso, temos que J. Neel procurou fazer um cerco à epidemia por meio da vacinação, o que, dada a velocidade de disseminação da mesma, não foi suficiente para reduzir a mortalidade ocorrida. Além disso, vale destacar que nem sempre é fácil distribuir tarefas e recursos humanos nessas circunstâncias dramáticas de epidemia em área indígena e também seria praticamente impossível mudar o comportamento de aldeias Yanomami isoladas ou pouco contatadas e proceder a quarentena, conduta sugerida por P. Tierney.

Por outro lado, dado que J. Neel já teria ciência do risco da epidemia durante os preparativos da viagem (tendo informação sobre a epidemia no Brasil, em regiões limítrofes à Venezuela, em fins de 1967), alguns cuidados adicionais poderiam estar inclusos ou previstos em seu plano de trabalho, cuidados esses que reduziriam as dificuldades encontradas em campo. Entre eles, treinamento dos vacinadores, informação sobre complicações e condutas, suprimento de medicamentos/ antibióticos, planejamento e cronologia da rota das aldeias a serem visitadas, etc.

Se, finalmente, não nos parece haver documentação conclusiva que comprove a acusação de que a equipe de pesquisa de J. Neel tenha se recusado a vacinar ou tratar qualquer caso de reação ou de complicações do sarampo em si, resta esclarecer os motivos da não vacinação de todos os indivíduos nas aldeias percorridas pela equipe. Se, por um lado, a acusação levanta a dúvida que isso poderia evidenciar descuido médico ou mesmo a constituição de um grupo controle a título de experimento, deve-se também pensar que a mobilidade tradicional dos Yanomami em áreas isoladas, em particular no contexto do pânico pela vigência de uma epidemia, associada à falta de censos e de identificação dos indivíduos, podem explicar a ausência de aldeias ou parte de aldeias no momento da vacinação.

Entretanto, essa última explicação pode parecer menos plausível para o caso da não imunização de 36 Iyewei theri da Missão Ocamo onde apenas 31 índios da aldeia foram vacinados. Tratando-se de uma aldeia situada perto de um posto missionário, fundado em 1957, esses índios teriam menor mobilidade, além de certamente existir um registro de censo na Missão. Eles estariam, portanto, mais acessíveis, mas não foram vacinados nas três semanas seguintes à data de início da imunização em Ocamo.[29] Nesse caso, fica a lacuna de informações sobre os motivos da ausência desses índios na Missão no período da vacinação.

C) No tocante ao consentimento informado :

Na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde brasileiro, tem-se que, em populações culturalmente diferenciadas, inclusive indígenas, deve-se contar com a anuência antecipada da comunidade através de seus próprios líderes, não se dispensando, porém, esforços no sentido de obtenção de consentimento individual. Além destas normas oficiais, os Yanomami e muitos outros grupos indígenas estão hoje na condição de opinar sobre o ato da experimentação biomédica em conhecimento de causa, ainda existindo fóruns de representação indígena nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas implementados pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, Ministério da Saúde) em vários estados do país. Nesse contexto, a antiga prática de troca de presentes por sangue, empregada pela equipe de J. Neel et N. Chagnon com os Yanomami e outros povos indígenas, ou quaisquer procedimentos semelhantes, como formas distorcidas de substituir o "consentimento informado" de populações indígenas, estão hoje totalmente banidos pela legislação nacional bem como pelas comunidades e organizações indígenas no Brasil e no mundo.

Em matéria de autorização de pesquisa biomédica entre povos indígenas, sob o olhar da atualidade, temos que, para o Brasil, desde a Instrução Normativa nº 01/95, “todo pesquisador nacional ou estrangeiro que pretenda ingressar em terras indígenas para desenvolver projetos de pesquisa científica deverá encaminhar sua solicitação à Presidência da FUNAI”. Ademais, a Resolução 196/96 atribui à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/CONEP do Conselho Nacional de Saúde a tarefa de aprovar e acompanhar os protocolos de pesquisa em áreas temáticas especiais, entre essas, as populações indígenas e aquelas coordenadas do exterior, ou com participação estrangeira, além das pesquisas que envolvam remessa de material biológico para o exterior.

Resta ainda, nesse contexto, a questão da autorização das autoridades sanitárias venezuelanas para a condução das pesquisas e vacinação da equipe de J. Neel. Existe novamente uma certa dúvida sobre a postura do pesquisador na ocasião.

Por um lado, o livro de P. Tierney apresenta um depoimento da atual Diretora do Departamento de Vacinação do Ministério da Saúde Venezuelano (Dra. A Bitencourt) que afirma não ter recebido qualquer solicitação de autorização para a pesquisa. Além disso, investigações efetuadas por jornalistas no Brasil, onde J. Neel e seus colaboradores efetuaram coleta de sangue para estudos genéticos em pelo menos seis expedições entre grupos indígenas (incluindo os Yanomami em 1967, com N. Chagnon), evidenciam que algumas dessas expedições foram efetuadas sem autorizações oficiais ou através de autorizações obtidas por colegas locais.[30]

Por outro lado, existe um documento que mostra a intenção de J. Neel de obter autorização oficial, pelo menos para o programa de vacinação de 1968 na Venezuela : uma carta escrita ao seu colega do Instituto Venezolano de Investigaciones Cientificas (IVIC), Miguel Layrisse, em 11 de dezembro de 1967.[31]

Finalmente, se houve efetivamente consentimento das autoridades venezuelanas para essa vacinação em 1968, ou para um protocolo de pesquisa associado ao programa, mais uma vez, não dispomos por enquanto de informação conclusiva.

6. Hipótese alternativa obre a origem da epidemia de sarampo no Orinoco (1968)

A argumentação do capítulo 5 livro de P. Tierney leva o leitor desavisado à conclusão de que a vacina Edmonston B teria sido escolhida por sua capacidade de gerar uma epidemia de sarampo. Como já colocado, não há descrição na literatura médica de transmissão pessoa a pessoa do vírus vacinal de sarampo e nem tampouco de transmissão através de objetos de troca já que o vírus é rapidamente inativado fora do ambiente corporal[32].

Para sustentar sua hipótese, o autor parte do princípio de que o primeiro caso de sarampo diagnosticado por J. Neel não teria sido realmente um caso da doença e, portanto, a explicação para a chegada do vírus de sarampo na comunidade estaria na própria vacina Edmonston B. Dada a ausência de rash no primeiro paciente examinado, conforme colocado por J. Neel no artigo que descreve a epidemia (Neel et al., 1970), tal diagnóstico de sarampo era, de fato, incerto (às vezes, é difícil discernir o rash em populações não-brancas). Por outro lado, é possível que esse diagnóstico tenha sido presumido retrospectivamente já que foi o primeiro caso de febre constatado pela equipe antes da confirmação da epidemia. O diagnóstico só poderia ter sido comprovado se fosse coletado sangue do paciente para dosagem de anticorpos antes dele ser vacinado. De qualquer forma, mesmo que esse indivíduo não fosse o primeiro caso da doença (caso-índice), isso não justifica a alternativa da epidemia ser decorrente da vacina.

Diante dessas especulações e dúvidas, finalmente, a melhor forma de dar um sentido epidemiológico para o enigma da epidemia de sarampo do Orinoco de começo de 1968, quanto a sua origem e disseminação, estaria no estabelecimento de uma cadeia de transmissão da doença, o que buscamos realizar através de uma ordenação cronológica dos fatos apresentados como um emaranhado no capítulo 5 do livro do P. Tierney, no artigo de Neel et al. (1970) e informações veiculadas a partir de outros documentos, inclusive carta do pesquisador (ver Quadro e Mapa abaixo).

A epidemia de sarampo entre os Yanomami do Brasil de 1967, citada no artigo de Neel et al. 1970, foi confirmada por diversas fontes. A filha de um missionário da New Tribes Mission (NTM), proveniente de Manaus, chegou com a doença em Toototobi (afluente do alto Rio Demini), contaminando os Yanomami dessa região e deslanchando uma epidemia que perdurou de setembro a novembro de 1967 (com mortalidade de 15% - portanto, semelhante à descrita na literatura para países em desenvolvimento-, apesar do atendimento permanente dispensado pelos missionários).[33] Também há relatos de epidemia entre os Yanomami no Brasil nos rios Apiaú (bacia do Mucajaí), Ajarani e Igarapé Repartimento (bacia do Rio Catrimani) em abril-maio de 1967.[34]

Note-se que o Rio Toototobi está muito próximo à fronteira com a Venezuela e que os Yanomami da região afirmam que a epidemia se alastrou até os Yanomami do Rio Siapa e do alto Orinoco. De fato, os Yanomami da ex-missão Toototobi tinham relações intercomunitárias regulares tanto com grupos do alto Demini (Parawau) - que por sua vez estavam inseridos numa rede de intercâmbios que chegava até as comunidades do Alto Siapa -, quanto com grupos da cabeceira do Orinoco.

Além disso, a carta de J. Neel à M. Layrisse, de 11/12/1967, também relata a informação recente de missionários da NTB na qual: “there is sickness amongst the Indians on the very high Orinoco, possibly due to measles”. Dessa vez, trata-se muito provavelmente da região do alto Putaco, afluente do Ocamo onde se encontrava uma Missão da NTB. Essa região é também próxima da fronteira brasileira e das cabeceiras dos rios Parima e Mucajaí (a carta também menciona sarampo no Mucajaí).

Todos estes dados levantam a possibilidade de vias de propagação do sarampo através da rede de relações entre aldeias Yanomami, a partir da região de Toototobi e/ou de Mucajaí no Brasil e em direção ao Alto Orinoco na Venezuela, seja pela via norte (Rio Mucajaí-Rio Parima), seja pela via sul (Rio Toototobi/Alto Demini/Alto Siapa e Rio Toototobi-cabeceiras do Orinoco), ou ambas.[35]

De qualquer forma, apesar de serem hipotéticas, essas possíveis cadeias de transmissão parecem muito mais verossímeis para explicar a chegada da epidemia no Orinoco do que a teoria apresentada pelo livro de P. Tierney que atribui a epidemia à vacina Edmonston B.

Quando da chegada da equipe de J.Neel à Missão Ocamo, havia relatos de uma série de casos de doenças respiratórias agudas na região nos dois meses precedentes, diagnosticados como broncopneumonia, mas que, segundo depoimentos recolhidos por P. Tierney, curiosamente, não respondiam a tratamento antibioticoterápico. Embora o artigo de J. Neel et al. (1970) afirme que a resposta à penicilina foi satisfatória, esse último dado nos faz questionar o diagnóstico no sentido de ser uma doença de etiologia viral, talvez uma epidemia de influenza ou já o próprio sarampo.[36]

Embora a documentação seja imprecisa quanto à data exata de início da vacinação (Neel et al. 1970:421 deixa pensar que foi no dia 22/1/68 ou pouco depois), algumas pistas já orientam para os mecanismos de disseminação da doença. Se os Yanomami da Missão Ocamo foram vacinados após 72 horas do contato com o vírus selvagem - período depois do qual a vacinação geralmente não é mais eficaz para evitar ou atenuar o sarampo - a existência de visitantes na missão e o deslocamento desses índios para outras aldeias (Shubariwa theri, p. ex.) já permitem prognosticar a velocidade de espalhamento da epidemia. Se o aparecimento do rash ocorre, em média, 14 dias após o contágio e os primeiros casos de rash datam aproximadamente de 29/01/68[37], esses índios teriam tido contato com a doença em 15/01/68. Portanto, uma semana antes da chegada da equipe de J. Neel e da inoculação da vacina, o que explicaria a gravidade do estado dos enfermos.

CRONOLOGIA DOS FATOS CITADOS DATA FATO

11/12/67*

· J. Neel indica ser já informado de epidemia de sarampo entre os Yanomami do alto Demini (Toototobi, Brasil) e possivelmente no alto Orinoco (Venezuela) por missionários da New Tribes Mission

22/01/68

· Chegada de J.Neel e N.Chagnon na Missão Ocamo (Venezuela)

· História de cinco óbitos com sintomas respiratórios nos dois meses precedentes nas imediações da confluência dos rios Mavaca e Orinoco

22-25/01/68 **

· Primeiro caso diagnosticado (sem rash) em 22/02; recebeu vacinação

· Início da vacinação anti-sarampo em Ocamo (Iyewei theri, 31 vacinados, e membros de aldeias em visita; total de 40 vacinados)

· Três Iyewei theri se deslocaram para Shubariwa theri, onde houve posterior relato de alta mortalidade, com exceção dos casos que tiveram acompanhamento por enfermeira

29/01/68

· Primeira descrição de rash entre os indivíduos vacinados em 23/01/68

01/02/68

· Óbito de duas crianças que teriam sido vacinadas em 24/01/68

02/02/68

· 36 doentes acompanhados na Missão Ocamo (entre um total de 40 vacinados)

· Criança gravemente enferma, filha de administrador local, é levada à Missão Mavaca

04/02/68

· Primeira anotação sobre a epidemia de sarampo nos registros de atendimento de Ocamo

· Visita em Ocamo de dois funcionários da Missão Platanal

04 – 08/02/68

· J. Neel descreve em seu artigo a existência de mais dois indivíduos sintomáticos, brasileiros mestiços

· Vacinação dos Witokai theri, que teriam se deslocado para Mavaca após a vacinação

15/02/68

· Morre com rash a criança que chegou à Mavaca, proveniente de Ocamo (em 02/02)

· Início da vacinação em Mavaca

17/02/68

· Vacinação de 65 Yanomami em Coshirowa theri

· 17 casos de sarampo entre os 36 Iyewei theri não vacinados em Ocamo (início dos sintomas em 16/02)

18/02/68

· Início das filmagens sobre a epidemia em Mavaca (típico rash morbiliforme)

· Em Mavaca, doentes de Bisaasi theri (vacinados em 15/02) e provenientes de Witokai theri (4 a 8/02)

· Rerebawa, assistente de N. Chagnon, de Karohi theri, com febre e manchas de Koplik

· Solicitação de médicos e penicilina por contato radiofônico

· Saída da equipe de J. Neel para Platanal (para vacinar os Mahekoto theri, Hasupuwei theri e Patanowa theri). Deixa uma enfermeira em Mavaca para manter os tratamentos

19/02/68

· Chegada da equipe em Platanal

· Acusação diz não ter vacinado os Mahekoto theri com referência ao artigo de 1970 (?)

· Foto dos dois funcionários que teriam estado em Ocamo em 04/02, sadios. Segundo Neel, teriam ficado sintomáticos a seguir

· Relato posterior de doença e óbito de 25% dos Mahekoto theri (s/ data especificada)

22/02/68

· Referência de passagem por Patanowa-theri

26-28/02/68

· Quadro febril em 43 dos Coshirowa theri vacinados

* Carta de J. Neel a M. Layrisse citada acima item C.

** Não está clara no texto de P.Tierney a data precisa de início da vacinação, nem no artigo de J. Neel et al. (1970).

O relato dos primeiros óbitos por broncopneumonia, complicação do sarampo, em 01/02/68 também estaria mais compatível com um possível contágio em meados de janeiro. Nessa mesma data, uma criança enferma foi transferida para Mavaca, levando consigo o vírus selvagem 15 dias antes da vacinação nessa missão. Pouco depois (04/02/68), em plena vigência de epidemia documentada, chegam a Ocamo dois funcionários da Missão Platanal, também podendo ter veiculado o vírus para essa última. Ainda nesse período, índios vacinados em Witokai theri, aldeia mais próxima de Ocamo, também se deslocaram para Mavaca, onde vieram a apresentar os sintomas da doença.

Dessa forma, J. Neel parece ter chegado à Mavaca tarde demais. Na data de sua chegada (18/02/68), a presença de manchas de Koplik no guia de N. Chagnon também nos faz crer que ele se contaminou em Witokai theri (ou na aldeia em que residia, Karohi theri), 10 a 14 dias antes, onde o vírus de sarampo já devia estar circulante. Também seria no início do mês de fevereiro a data de contágio dos 17 Iyewei theri que não tinham sido vacinados em Ocamo no início da expedição e ficaram doentes.

Mais uma vez, a chegada da equipe de saúde em Platanal parece ter sido tardia (vide a visita dos funcionários à Ocamo), explicando a posterior epidemia e alta taxa de letalidade observada em Mahekoto theri. No caso dos Coshirowa theri, que apresentaram os primeiros sintomas entre 10 e 12 dias após a vacinação (ver Neel et al. 1970), torna-se ainda mais difícil diferenciar a reação propriamente dita de um quadro de sarampo doença amenizado pela vacinação, dessa vez, em tempo hábil (observe-se que nesse caso não há relatos de óbitos). Note-se que essa aldeia está situada ao norte de Ocamo, ou seja, mais distante do circuito de contaminação mais intenso que estaria à sudeste da Missão.

Uma possível conclusão para essa reconstituição da cadeia epidemiológica seria portanto que, ao invés de ter causado a epidemia, a vacinação da equipe de J. Neel parece não ter sido suficiente para evitar a mortalidade observada em algumas aldeias. Ou seja, as aldeias visitadas após 72 horas do contato com o vírus do sarampo não puderam ter a proteção almejada, o que explica o impacto desastroso da doença. Nesse caso, a eclosão dos sintomas do sarampo pouco depois da vacinação, que tanto impressionou vários observadores citados por P. Tierney, seria explicada pelo aparecimento do sarampo doença e não por uma reação exacerbada à vacina.

Por fim, se com os dados cronológicos relatados já é possível demonstrar algumas cadeias de transmissão no alto Orinoco, presume-se que muitas outras cadeias para nós desconhecidas devem ter ocorrido de forma complementar, o que impossibilita a determinação do caso-índice na Missão Ocamo. Também a observação e análise do Mapa acima permite concluir que a chegada do vírus selvagem na Venezuela ocorreu no sentido leste à oeste, ao passo que o deslocamento da equipe de J. Neel foi, predominantemente, no sentido contrário, ou seja, na “contramão” da epidemia, caminho justificado pela maior probabilidade de encontrar aldeias necessitadas de assistência médica de urgência.

7. Conclusões: o que se pode e o que não se pode concluir

Causa da epidemia e de sua letalidade

· A principal hipótese do capítulo 5 do livro de P. Tierney – uma epidemia de sarampo provocada por vacinação no contexto de uma experimentação eugênica - é facilmente refutável, as argumentações apresentadas sendo pouco sólidas e bastante inconsistentes;

· Existia, na época da vacinação realizada pela equipe de J. Neel, disponibilidade de vacinas que provocam menos reações que a Edmonston B escolhida. No entanto, a intenção de utilizar essa vacina não pode ser considerada como tecnicamente incorreta;

· A mortalidade observada na epidemia de 1968 no Orinoco provavelmente foi decorrente de uma real epidemia de sarampo chegada do Brasil, sem relação com a vacinação (ainda que concomitante a ela); epidemia em que o bloqueio vacinal, de uma maneira genérica, não foi feito em tempo hábil. Vale ressaltar que a conduta de realizar um cerco à epidemia por meio da vacinação é recomendada até os dias atuais. Cientes da velocidade de disseminação da doença e das dificuldades enfrentadas por esse tipo de trabalho de campo, fica apenas o questionamento se, com o conhecimento prévio do fato, um melhor planejamento e treinamento das equipes poderia ter reduzido o impacto da epidemia.

Experimentação planejada e realizada

· A aplicação de Edmonston B com imunoglobulina (MIG) associada era a recomendação da época para dirimir as reações vacinais, embora não fosse contra-indicado o uso isolado da vacina. De fato, o uso da vacina sem a imunoglobulina era compatível com o estado de arte da pesquisa na década de 1960. Entretanto, clinicamente, seria mais indicado o uso da imunoglobulina associada visando o bem-estar de uma população isolada e suscetível a efeitos colaterais mais intensos, como os Yanomami. As verdadeiras razões pelas quais J. Neel optou pelo não uso de imunoglobulina (MIG) entre os 31 vacinados da aldeia dos Iyewei theri (e em pelo menos uma de três regiões no Brasil) não ficaram claras nas documentações avaliadas, embora seja plausível a intenção de experimentação.

· Embora Neel tenha citado em seu artigo o prejuízo do protocolo e da metodologia de pesquisa inicialmente projetada (sem explicitá-la claramente), destacamos que o resultado da sua comparação entre indivíduos vacinados com ou sem MIG torna-se, de qualquer maneira, algo enfraquecido na medida em que não se pode diferenciar os indivíduos com reação vacinal e os que já apresentavam o sarampo, amenizado ou não pela vacina.

Ética em pesquisa com povos indígenas: passado e presente

· Na década de 1960, observa-se uma verdadeira dicotomia entre o estado de arte da ética em pesquisa biomédica e as práticas desenvolvidas, especialmente com minorias. Nesse sentido, a experimentação que teria sido conduzida por J. Neel contraria preceitos éticos mas não difere nisso de muitas das pesquisas com seres humanos realizadas e publicadas em periódicos de renome na década.

· O aspecto positivo da polêmica levantada pelo capítulo 5 do livro de P. Tierney, apesar de suas sérias falhas documentais/conceituais e de sua falta de rigor demonstrativo, está no fato de trazer à tona a possibilidade de uma discussão e reflexão aprofundada sobre a ética em pesquisa com populações indígenas e minorias em geral, não somente para a pesquisa biomédica, mas também em outras esferas, como a pesquisa antropológica - no caso discutido, estreitamente associada à pesquisa biomédica.

Finalmente, se a comunidade científica julgar necessário o aprofundamento das questões específicas apontadas nas acusações do livro do P. Tierney e discutidas no presente parecer, sugerimos a criação de um Comitê internacional, independente e multidisciplinar, que proceda a análise do caso com base no protocolo de pesquisa, documentos das instituições governamentais envolvidas, notas de campo da equipe de J. Neel e N. Chagnon e registros de atendimentos médicos em campo.

POST SCRIPTUM (18/11/00)

Conforme colocado no início deste parecer, nossa análise do capítulo 5 do livro de P. Tierney foi baseada nas provas do mesmo que circularam antes da sua publicação e deram início a uma polêmica amplamente repercutida pela imprensa nacional e internacional a partir de setembro de 2000.

Diante da intensidade da controvérsia surgida nos âmbitos acadêmico e jornalístico sobre as teses aprensentadas na primeira versão do capítulo, o autor acabou introduzindo algumas modificações na versão publicada em meados de novembro de 2000, um procedimento editorial inédito. A maioria das alterações tende a amenizar a formulação de suas acusações anteriores (por ex. p. 61 sobre a experimentação MIG; p. 75 sobre a não assistência de J. Neel aos doentes; p. 80 sobre a vacina Edmonston B e a violação da ética médica). Outras remanejam alguns dos depoimentos recolhidos, geralmente com a mesma função (p. 61 supressão da entrevista do Dr. C. Botto ; p. 80 contextualisação da entrevista do Dr. Papania e supressão da entrevista de J. Earle).

Entretanto, a modificação principal consiste na reestruturação completa da conclusão do capítulo (pp. 80-82). É sobre essa nova parte conclusiva que acrescentaremos aqui alguns comentários:

· Houve complementação das referências técnicas de caráter biomédico (notas 138-140-141) sem que elas, contudo, venham a consubstanciar as hipóteses apresentadas no texto original (o texto das provas). Pelo contrário, esse acréscimo só torna mais ambígua a tese do autor sobre a origem vacinal da epidemia. O novo texto justapõe assim uma colocação categórica do Dr. Samuel Katz sobre a impossibilidade da transmissão vacinal com comentários que, de modo indireto, deixam dúvida sobre a mesma afirmação.

· Além disso, reforçando essa nova ambigüidade (“it is unclear whether the Edmonston B became transmissible or not.”), P. Tierney acaba por atribuir a mortalidade encontrada durante a epidemia de 1968 à associação da reação vacinal com malária e broncopneumonia, ainda agravada pelo comportamento de pânico e dispersão dos Yanomami frente às epidemias. Afirmando ser simplista raciocinar em termos de “epidemia de sarampo”, ele propõe a noção de “measles vaccine-bronchopneumonia-malaria epidemic”. Embora P. Tierney tenha citado a ocorrência de casos de broncopneumonia e malária na ocasião da vacinação (p. 62-63), não há qualquer indicação no texto (nem no artigo de Neel et al. 1970) sobre um quadro clínico característico e/ou sobre graves e específicas complicações da malária (P. falciparum) que freqüentemente levam ao óbito os Yanomami acometidos por esta doença, entre elas, a malária cerebral. Ademais, conforme o próprio autor relata nas páginas anteriores, o sarampo entre populações indígenas, “virgin-soil”, é grave o suficiente para explicar a alta mortalidade encontrada durante a epidemia de 1968. Portanto, a hipótese mais convincente para a mortalidade observada ainda é a epidemia de sarampo em si, cuja gravidade reconhecida é indicação para o ato de vacinar, mesmo na vigência de outras doenças ou agravos concomitantes.

· Persistindo em contradições, na sua nova conclusão, P. Tierney até mesmo admite a presença de sarampo doença (não vacinal) – esse, altamente contagioso – na região do Orinoco (além do “círculo de vacinação”), assim como a possibilidade do vírus ter chegado a partir de áreas mais periféricas do território Yanomami (como o Rio Padamo, com o guia de N. Chagnon, mencionado acima no ponto 6). Curiosamente, uma menção à epidemia de sarampo ocorrida em fins de 1967 no Brasil aparece na última página, porém, o autor sequer faz a ligação entre essa e uma eventual cadeia de contágio através o território Yanomami. Pelo contrário, o autor afirma que “barreiras culturais entre aldeias” (sic) impediriam a propagação das epidemias na área Yanomami, fato este que pode ser considerado totalmente irreal, como demonstra o trabalho de assistência desenvolvido nesta região. Nesse sentido, os membros de uma expedição médica conduzida pela Comissão Pró-Yanomami e pela organização Médicos sem Fronteira - Holanda na região da bacia do Rio Siapa (Venezuela), de outubro de 1997 a maio de 1998, escrevem no seu relatório: “Las ocho comunidades visitadas que compoe esta población mantienen estrechas relaciones entre ellas y con otras mas distantes localizadas en Venezuela (Platanal, Mavaca y Mavaquita) y en Brasil (Parawau y Marari). A pesar del poco, o practicamente ningún, contacto directo con nuestra sociedad, no se trata de una población que vive en una situación de aislamiento epidemiológico en relación a otras regiones del área Yanomami de contacto más antiguo e permanente.” [38]

· Finalmente, P. Tierney termina esse novo texto conclusivo do capítulo 5 reforçando a sua acusação de que J. Neel teria priorizado os objetivos da pesquisa ao invés da necessidade de assistência aos doentes, além de ter facilitado a disseminação do sarampo com os deslocamentos de sua equipe na região, acompanhados de índios então contaminados. Sobre esses pontos, acrescentem-se algumas observações:

1) Um novo documento importante foi incluído no texto publicado (ver nota de nº 140): uma proposta de pesquisa apresentada em 1971 por J. Neel à Dow Chemical para o teste de uma vacina tríplice aplicada aos Yanomami; documento que revela indiretamente a proposta de pesquisa do cientista na imunização de 1968 no sentido de avaliar a eficácia da vacina, verificar as reações vacinais, comparar a freqüência dessas reações e das respostas imunológicas à vacina com populações urbanas e, finalmente, de imunizar os Yanomami contra o sarampo.

2) Embora os vários deslocamentos da expedição também possam ter contribuído para a disseminação da epidemia, sabe-se que a movimentação tradicional entre as aldeias Yanomami já seria suficiente para explicar a sua propagação do Brasil até o Orinoco. Além disso, se o sarampo alcançou a região antes da equipe chegar, o planejamento e a organização dos seus deslocamentos - estivessem eles priorizando a assistência ou a pesquisa – tiveram provavelmente mais impacto no insucesso da vacinação (imunização após 3 dias da contaminação) e na falta de controle da mortalidade (despreparo da equipe para lidar com as graves complicações do sarampo, principalmente, pneumonia) do que na propagação da epidemia.

Para saber mais sobre este assunto leia: Trevas na Antropologia e na Biomedicina, artigo de Valéria Macedo/ISA

A versão original ou a tradução portuguesa das notas oficiais da ABA (Associação Brasileira de Antropologia) e da AAA (American Antrhopological Association)

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*Participou do Plano Emergencial de Atenção à Saúde Yanomami/PEASY, 1990 e da implantação do Disrito Sanitário Yanomami, DSY/RR, 1991-1994 : clobo@hucff.ufrj.br

** Desenvolveu ações de saúde em Auaris, DSY/RR, 1991.

[1] Pesquisador visitante do Institut de Recherche pour le Développement (IRD-Paris) no Instituto Socioambiental (ISA, São Paulo), especialista dos Yanomami do Brasil: BruceAlbert@aol.com

[2] Pink Book, CDC, Cap. 9, Measles: 119-139. Disponibilizado na Internet.

[3] ACIP, 1989: “Measles Prevention: Recommendations of the Immunization Practices Advisory Committee”, MMWR, 38 (S -9): 1-18.

[4] REDD, S. C., MARKOWITZ L. E., KATZ, S. L., 1999: “Measles Vaccine”. In: Vaccines (Plotkin & Oresten, orgs.), W. B. Saunders Company.

[5] Indivíduos incapazes de apresentar resposta imunológica humoral – por meio de anticorpos – ou celular por déficit geneticamente determinado ou, mais frequentemente, de forma secundária a doenças que comprometem a imunidade ou uso de agentes imunossupressores.

[6] BLACK F. , 1975: “Infectious Diseases in Primitive Societies”. Science, 187: 515-518.

[7] NEEL, J.V., CENTERWALL, W. R., CHAGNON, N. A, 1970: “Notes on the effects of measles and measles vaccine in a virgin-soil population”. American Journal of Epidemiology, 91(4): 418-429.

[8]NUTELS N., 1968: « Medical problems of newly contacted Indian groups ». PAHO Scientific Publication, nº 165.

[9] A vacina com vírus morto deixou de ser licenciada nos EUA em 1967 pelo risco de grave reação de hipersensibilidade quando da exposição ao vírus selvagem (Síndrome de Sarampo Atípica), além de ter baixa eficácia e não conferir imunidade duradoura.

[10] HAYDEN, G.F., 1979, Measles Vaccine Failure. Clin. Ped., vol.18 (3 ): 155-167.

[11] BRODY J.A. et al, 1964: « Measles Vaccine Field Trials in Alaska », JAMA, 189(5) : 339-342.

[12] Essa medida também evita a superposição dos efeitos adversos à vacina com aqueles da doença febril, e também a dúvida se uma possível reação febril é originada da vacina ou da doença de base.

[13] HALSEY NA, BOULOS R, MODE F et al, 1985: « Response to Measles in Haitian Infants 6 to 12 Months Old : Influence of Maternal Antibodies, Malnutrition and Concurrent Illnesses », New Eng. J. Med., 313 :544-549.

[14] LJUNGMAN, P., 1999: «Immunization in the Immunocompromised Host», In: Vaccines (Plotkin & Oresten, orgs.), W. B. Saunders Company.

[15] Na Declaração de Helsinki I, temos: “A pesquisa clínica em um ser humano não pode ser empreendida sem seu livre consentimento, depois de totalmente esclarecido; se legalmente incapaz, deve ser obtido o consentimento do responsável legal”.

[16] Reportagem reproduzida no site http://www.anth.uconn.edu/gradstudents/dhume/Dark/darkness/0161.htm , « The debate over Amazon Darkness », em 17/10/2000.

[17] NEEL J., 1977: Ciba Foundation Synposium 49 (new series), 155-177.

[18] Cite-se como exemplo: ROCHE et al., 1959: “Elevated Thiroydal I131 Uptake in the Absence of Goiter in Isolated Venezuelan Indians”, J. Clin. Endocrin. and Metab., 19:1440; ROCHE et al., 1961: “Urinary Excretion of Stable Iodine in a Small Group of Isolated Venezuelan Indians”, J. Clin. Endocrin. and Metab., 21: 1009.

[19] Vários são os exemplos de experimentos eticamente duvidosos custeados por Comissões de Energia Atômica nas décadas de 50 e 60, como os de exposição radioativa com tropas americanas e portadores de deficiência mental em Massachusetts, conduzidos pela AEC americana. (ver site citado na nota 16 acima).

[20] Informação disponível no site http://www.tamu.edu/anthropology/Lindee.html

[21] PAUL JEAN-JOSEPH et al., 1969: “A Comparison of Edmonston-B ans Schwarz Measles Vaccine in Malian Children”, The Lancet, march 29 : 665-667.

[22] Para essa argumentação, P. Tierney se baseia em fontes de entrevista que, após 30 anos, estão sujeitas a viés de memória; frases pinçadas de artigos que não necessariamente espelham a visão geral dos autores; e declarações que antecederam a liberação oficial da vacina em 1963.

[23] Embora o autor cite que nenhum outro pesquisador utilizou Edmonston B entre indígenas, há relatos inclusive de vacinação com vírus mortos em índios do Equador antes de epidemia também ocorrida em 1968, ver KAPLAN et al.: 1980, “Infectious Disease Patterns in the Waorani, an Isolated Amerindian Population”, Am. J. Trop. Med. Hyg., 29(2): 298-312.

[24] Essa colocação de P. Tierney, inclusive, carreia a noção preconceituosa da fragilidade biológica dos índios.

[25] Nos portadores de leucemia, pode ocorrer uma pneumonia de células gigantes e manifestações hemorrágicas na ausência de rash.

[26] Para os Yanomami, a média de altura está em torno de 150 cm para homens e 140 cm para mulheres ; e a média de peso em cerca de 45 Kg para homens e de 40 Kg para mulheres. HOLMES R., 1984: « Non-dietary Modifiers of Nutritional Status in Tropical Forest Populations of Venezuela », Interciencia, 9(5) : 386-391.

[27] Ver o artigo de PAUL JEAN-JOSEPH et al, 1969 citado acima nota 21.

[28] Embora tal hipótese tenha plausibilidade biológica e outros estudos tenham chegado a essa mesma conclusão. Ver BLACK F. et al., 1969: “Measles Vaccine Reactions in a Virgin Population”, Am. J. Epidemiology, 89(2): 168-175.

[29] Ver Neel et al. 1970: 421, 423.

[30] O Globo, 15/10/2000 : « Geneticista pesquisou Indios sem autorização da FUNAI ».

[31] Disponível na internet no endereço http://www.tamu.edu/anthropology/Cox.html .

[32] P.Tierney faz alusão à possível transmissão por meio de bens de troca e também à possibilidade da existência de reservatórios animais para o sarampo (?).

[33] Informação providenciada por Bruce Albert, com base em publicação da New Tribes Mission: Brown Gold, janeiro de 1968, 25 (9):3 e entrevistas com os Yanomami de Toototobi.

[34] Informação providenciada por Bruce Albert, com base em relatório do Serviço de Proteção aos Indios (SPI) de 22 de agosto de 1967 de autoria de G. Pinto Figueiredo Costa.

[35] Informação levantada por Bruce Albert.

[36] Não existe “epidemia de broncopneumonia”, de etiologia bacteriana, conforme sugerido por P. Tierney.

[37] Segundo P. Tierney, em referência ao artigo de J. Neel : « According to them (Neel & Chagnon), the Yanomami first vaccinated at Ocamo had definitive rash in strong reactions that began six days after vaccination and continued for more than 10 days (January 29 – February 8) ».

[38] CCPY-MSF/Holanda, maio de 1998 : « Expedición a la Región del Área Yanomami Venezolana en Carácter Emergencial. Informe Final ».