Internet Source: Amazonia Real, April 4, 2015.
Source URL (Archive.org): http://amazoniareal.com.br/povo-yanomami-vai-chorar-e-enterrar-sangue-dos-ancestrais/
By Kátia Brasil
É na aldeia Piaú, na região do Toototobi, na fronteira do Estado do Amazonas com a Venezuela, que o povo Yanomami realiza na tarde desta sexta-feira (03) a cerimônia de devolução oficial às famílias das amostras de sangue coletadas, sem autorização da etnia, por pesquisadores norte-americanos e enviadas aos laboratórios dos Estados Unidos há 48 anos. Os indígenas, que estão em festa, lutavam pela repatriação do material genético desde 2000.
Nesta parte da Terra Indígena Yanomami o acesso é por viagem de cerca de duas de avião de Boa Vista (RR). Participam da cerimônia, indígenas de aldeias dos dois países e convidados, entre eles, representantes da Fundação Nacional do Índio, do Ministério Púbico Federal, autor da ação que cobrou de laboratórios americanos o repatriamento do sangue, como publicou à agência Amazônia Real.
Para o povo Yanomami, o sangue coletado indevidamente de cerca de 3.000 índios são restos mortais da etnia, que tem como costume cremar os mortos e seus pertences. Antes da viagem a Toototobi, o líder Davi Kopenawa Yanomami contou à reportagem da Amazônia Real, em entrevista por telefone, o que os indígenas irão fazer com as amostras de sangue dentro da cultura e do costume tradicional.
“Muitos dos parentes que tiveram sangue roubado morreram de epidemia de sarampo. Mas tem sobreviventes dessa epidemia que moram em Toototobi. Nós vamos nos lembrar desses parentes que morreram. Vamos fazer um grande choro. Depois, vamos enterrar essas amostras com o sangue em um buraco e tampar. Esse lugar vai se tornar sagrado pelo Povo Yanomami”, disse Davi Kopenawa Yanomami.
Toototobi é uma das regiões da reserva no Amazonas que, segundo a ação do MPF, de 1967 a 1970 o geneticista James Van Gundia Nell e o antropólogo Napoleon Chagnon coletaram sangue dos yanomami. Davi Kopenawa Yanomami, que nasceu em Toototobi, disse que era um menino, mas lembra muito bem do que aconteceu à época.
“Esses americanos roubaram o nosso sangue no tempo em que eu era pequeno, mais ou menos uns dez, 11 anos. Eles tiraram meu sangue também. Eles não falaram nada na nossa língua sobre os testes que iam fazer. Ninguém sabia que iam usar o nosso sangue para fazer pesquisas”, disse o líder Yanomami.
A reportagem da Amazônia Real enviou perguntas à Procuradoria Geral da República e o Ministério Público Federal de Roraima, mas essas instituições não responderam questões sobre: total de amostras devolvidas, como foi o processo de repatriação, quais laboratórios e as universidades que devolveram o material genético e se ainda existe sangue congelado dos yanomami em instituições americanas. Assim que o MPF divulgar essas informações atualizaremos esta reportagem.
Para Davi Kopenawa Yanomami, a devolução das amostras de sangue não termina a ação contra os pesquisadores e laboratórios. Segundo a ação, James Nell e Napoleon Chagnon coletaram mais de 12 mil amostras de sangue em cerca de 3.000 indígenas yanomami e encaminharam a laboratórios de universidades dos EUA.
“Foi muito chocante e bastante triste isso que aconteceu. Precisamos saber que pesquisas os americanos fizeram com o nosso sague. O governo brasileiro tem que explicar à nossa comunidade. Vamos conversar com as autoridades sobre o que o governo brasileiro vai fazer para reparar os danos morais a cultura tradicional do nosso povo”, afirmou Davi Kopenawa Yanomami.
De acordo com a ação judicial do Ministério Público Federal em Roraima aberta em 2005, o povo Yanomami descobriu que as amostras de sangue foram coletadas dos indígenas, sem autorização, quando o jornalista norte-americano Patrick Tierney lançou o livro “Trevas no Eldorado”, no ano 2.000.
No livro, o jornalista denunciou que os também norte-americanos, o geneticista James Van Gundia Nell e o antropólogo Napoleon Chagnon, coletaram mais de 12 mil amostras de sangue em cerca de 3.000 indígenas yanomami. O caso tornou-se uma polêmica científica internacional.
A investigação do MPF diz que um dos objetivos de Nell e Chagnon com as mostras de sangue era pesquisar povos que nunca tinham sido expostos à radiação artificial na Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos da América (AEC).
Em artigo, a antropóloga Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB), disse que o o caso foi um paradigma para a ética na pesquisa com seres humanos. “O sangue Yanomami é o pano de fundo para a discussão de questões centrais sobre a participação de populações vulneráveis na pesquisa científica nas Ciências Humanas e da Saúde”, disse.
Em 2006, o Ministério Público Federal em Roraima recuperou amostras de sangue de 90 índios yanomami da Universidade Federal do Pará (UFPA). O caso não envolvia os pesquisadores norte-americanos. Conforme reportagem da Agência Brasil, as amostras foram coletadas em 1990 sem o consentimento dos indígenas.
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